Do G1, em São Paulo
A Argentina enfrenta uma batalha
jurídica em torno dos pagamentos de suas dívidas, que pode levar o país a dar
um novo calote em seus credores.
Nesta sexta-feira (27), o
pagamento de US$ 1 bilhão feito na véspera pela Argentina a credores da dívida
(que recebiam em parcelas) foi considerado "ilegal" e "não será
realizado" pelo juiz Thomas Griesa, dos Estados Unidos. Com isso, os
recursos do depósito serão bloqueados. Para a Justiça, os argentinos só podem
pagar as parcelas quando honrarem o pagamento dos que exigem receber o valor
sem descontos ou parcelas.
José Maria de Souza Júnior,
professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco, diz que a
disputa é apenas mais uma das instabilidades que a Argentina vem sofrendo desde
o megacalote da dívida pública em 2001.
VEJA PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE
A CRISE
QUAL A ORIGEM DA DÍVIDA?
Em 2001, em meio a uma crise
econômica e política, a Argentina anunciou um calote em sua dívida pública, que
era de cerca de US$ 100 bilhões. As pessoas, empresas e os fundos que tinham
títulos da dívida (ou seja, que haviam emprestado dinheiro para o governo)
deixaram de receber os rendimentos deles e foram impedidas de resgatar os
investimentos. Quatro anos depois, no governo de Néstor Kirchner, o país tentou
recuperar a credibilidade com um plano de renegociações desses débitos.
COMO FOI A RENEGOCIAÇÃO?
Em 2005, o então presidente
Néstor Kirchner ofereceu aos prejudicados pagamentos com descontos acima de 70%
e parcelados em 30 anos. Ao todo, 92,4% dos credores aceitaram as condições.
O QUE ACONTECEU COM QUEM ACEITOU
A RENEGOCIAÇÃO?
Esse grupo de credores tem
recebido os pagamentos em parcelas – é a chamada dívida reestruturada.
O QUE ACONTECEU COM QUEM NÃO
ACEITOU A RENEGOCIAÇÃO?
Parte dos credores (7,6% do
total) não quis receber os valores com descontos e parcelados. Fundos
especulativos dos Estados Unidos aceitaram comprar esses títulos desses
credores, a preços bem baixos. O governo argentino chama esses fundos de
“abutres”, porque, assim como os pássaros, eles "se alimentam de coisas
podres". O que os investidores tentam fazer, agora, é lucrar com títulos
de pouco valor e que dificilmente seriam resgatados.
COMO A QUESTÃO FOI PARAR NA
JUSTIÇA DOS EUA?
Os “fundos abutres”, com sede nos
EUA, procuraram a Justiça do seu país para receber o total dos valores dos
títulos, sem descontos ou pagamento em parcelas.
O QUE DECIDIU A JUSTIÇA DOS EUA?
Em 2012, um dos casos recebeu uma
decisão favorável da Justiça dos Estados Unidos. O juiz Thomas Griesa
determinou que a Argentina deve pagar US$ 1,33 bilhão ao NML Capital e
Aurelius, um dos fundos especulativos. O governo de Cristina Kirchner recorreu,
mas o Tribunal de Apelações de Nova York também concordou com a decisão de
Griesa.
A Argentina recorreu, então, à
Suprema Corte norte-americana, que, no último dia 19 de maio, decidiu que o
país deve pagar os fundos "abutres". A Justiça também determinou que
a Argentina não pode pagar as parcelas de dívida reestruturada a menos que
pague também aos fundos. A decisão também derrubou uma medida cautelar (chamada
de “stay”, que significa “parar”) que suspendia os efeitos da determinação
judicial anterior.
QUAL FOI A CONSEQUÊNCIA DA
DECISÃO?
Para pagar as parcelas já
prometidas, a Argentina teria que pagar também o US$ 1,33 bilhão devido aos
“fundos abutres”. Sem isso, o país pode ter que dar um calote involuntário nos
credores que aceitaram a reestruturação.
“Não dá para dizer que é uma
novidade, ou que pegaram a Argentina de surpresa. É quase que uma tragédia
anunciada, porque sempre houve risco de ocorrer”, diz José Maria de Souza
Júnior, professor das Faculdades Rio Branco.
QUAL O TAMANHO DA DÍVIDA COM OS
CREDORES QUE NÃO ACEITARAM A RENEGOCIAÇÃO?
Segundo o Ministério da Economia
argentino, o grupo que não aceitou a renegociação detém 8% dos títulos da
dívida pública, que chegam a US$ 15 bilhões.
A ARGENTINA TEM DINHEIRO PARA
PAGAR A DÍVIDA?
Sim. A Argentina possui
atualmente cerca de US$ 28 bilhões em reservas.
POR QUE A ARGENTINA NÃO PAGA TODOS
CREDORES?
O país não pode pagar os credores
que renegociaram por conta da decisão judicial, que a obriga a pagar também os
fundos "abutres". Acatar a decisão e fazer o pagamento aos fundos também
poderia abrir uma brecha judicial que permitiria que os credores que aceitaram
a renegociação questionassem o país exigindo também o pagamento integral – que
o país não tem recursos para efetuar.
QUANDO VENCE A PRÓXIMA PARCELA DA
DÍVIDA REESTRUTURADA?
A próxima parcela da dívida vence
em 30 de junho.
POR QUE A ARGENTINA ANTECIPOU O
PAGAMENTO?
No dia 26, a Argentina anunciou o
pagamento da parcela, com depósito de US$ 832 milhões, dos quais US$ 539
milhões foram para contas do Bank New York Mellon, que deveria repassá-los aos
credores. O total de US$ 1 bilhão inclui o pagamento de vencimentos em pesos. A
presidente da Argentina, Cristina Kirchner, considera que, mesmo que o dinheiro
seja embargado pela Justiça, o país não deu calote na dívida.
O anúncio do pagamento foi
interpretado por alguns analistas como uma "estratégia política".
"É uma estratégia para jogar a bola para o juiz Thomas Griesa, que no ano
passado decidiu a favor dos fundos especulativos, NML Capital e Aurelius",
disse à France Presse o economista Eduardo Blasco, da consultoria Maxinver.
"Parece que querem que Griesa decida se o país entrará em moratória ou
não."
POR QUE O PAGAMENTO DA PARCELA DA
DÍVIDA FOI BLOQUEADO?
A Justiça americana determinou
que a Argentina só pode pagar os que concordaram com o parcelamento quando
também honrar o pagamento dos que exigem receber o valor sem descontos ou
parcelas. Nesta sexta-feira (27), o juiz Thomas Griesa, dos Estados Unidos,
considerou o depósito feito em Nova York como “ilegal” e “não realizado”.
O QUE ACONTECE SE A ARGENTINA NÃO
PAGAR?
Como os recursos do depósito
feito pela Argentina foram bloqueados, isso pode configurar um novo calote do
país – mesmo que involuntário. Griesa determinou que o dinheiro, depositado no
banco New York Mellon, seja devolvido. Se uma solução não for encontrada até 30
de junho (vencimento da parcela), a Argentina terá dado um "calote
técnico". Um seguro feito sobre essa dívida, no entanto, deve ser
acionado, o que dará ao governo mais 30 dias para negociar com os “fundos
abutres”.
O QUE ACONTECE SE A DÍVIDA COM OS
"FUNDOS ABUTRES" FOR EXECUTADA?
“Se essa dívida for executada, o
contrato prevê que os outros credores que aceitaram a renegociação podem
recorrer parar receber nos mesmo termos”, explica o professor José Maria de
Souza Júnior. “Neste caso, a conta poderia chegar a R$ 500 bilhões, ao passo
que as reservas do país estão hoje em US$ 28 bilhões”.
QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS DO
GOVERNO KIRCHNER?
Para Souza Júnior, não resta
muito a fazer a não ser insistir na negociação ou tentar judicialmente
suspender ou protelar a decisão da Corte dos EUA que garante aos fundos
especulativos o direito de exigir do governo argentino o pagamento integral de
US$ 1,33 bilhão que lhes é devido.
“A Argentina vai tentar protelar
judicialmente a execução desta decisão e tentar manobrar politicamente,
inclusive em instâncias que não necessariamente tem a ver com a corte
americana, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Ela vai ter que falar
que não tem dinheiro, mas que quer pagar e negociar. Esta é única saída”, diz.
José Niemeyer, Coordenador de
Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais Ibmec, lembra que desde a
crise de 2008, quando o dinheiro em circulação diminuiu, os credores estão
muito mais impacientes em relação aos vencimentos de títulos a receber. Ele
avalia, entretanto, que é exagero falar em risco de quebra. “Quando é uma
empresa ou indivíduo que não pode pagar, tem como como partir para uma punição
ou falência. Mas em se tratando de inadimplência do estado, o país não vai
acabar. Trata-se de um problema macroeconômico que vai ter que ser resolvido,
uma vez que há uma dezena de agentes econômicos envolvidos.”
A CRISE NA ARGENTINA PODE AFETAR
O BRASIL?
Já fora dos mercados dos
internacionais, pela baixa credibilidade, o principal parceiro econômico da
Argentina é o Brasil, que já está sentindo os efeitos da crise no vizinho. A
queda nas trocas comerciais entre os países já ultrapassa 20% este ano. Para
conter os dólares dentro de casa, o governo vizinho aperta cada vez mais as
importações e fecha as portas para os produtos brasileiros.
“Um calote da China seria mais
grave, mas um da Argentina também é grave”, diz José Niemeyer, do Ibmec. “O
Brasil é o grande líder da região e a Argentina é importante para o país, temos
multinacionais lá e uma linha de comércio grande com o eles. Qualquer crise
macroeconômica na Argentina provoca desdobramentos no Brasil”, explica.
FONTE: G1
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