Por Rogério Linhares
A habilidade de sonhar e
especular o futuro parece ser uma das principais características do ser humano.
Gostamos de imaginar mundos perfeitos ou disfuncionais. A expressão UTOPIA vem
do grego e significa “lugar nenhum”, ela foi cunhada no século 16 por Thomas
Morus no sentido de sociedade perfeita e ideal. Já a expressão DISTOPIA,
proveniente também do grego e significando “lugar ruim”, apareceu apenas no
século XIX por meio de Stuart Mill e tem o sentido oposto de utopia.
A partir da década de 30,
enquanto regimes totalitários como o fascismo, o nazismo e o comunismo se
espalhavam pelo mundo, dois grandes autores de distopias sugiram no campo
literário. Em 1932 Aldous Huxley publica o livro ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, uma
distopia sombria e aterradora. Nela não existem famílias, isto é, pais, mães e
casamentos. O sexo é livre, mas a concepção de bebês não ocorre pela forma materna
e natural, isso é responsabilidade das fábricas de bebês que os modifica
geneticamente para nasceram em castas pré-determinadas. Nessa sociedade a
diversão está disponível a qualquer um e se alguma coisa der errada existe a
“droga da felicidade” chamada de soma. Na distopia narrada por Huxley existem
apenas dez áreas civilizadas na Terra e algumas poucas comunidades nativas,
consideradas selvagens, que ainda preservam a tradição de família e religião.
Um líder civilizado chega a afirmar: “O mundo agora é estável... as pessoas são
felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem,
estão em segurança... não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm
esposas, nem filhos, nem amantes por quem possam sofrer emoções violentas... E
se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma.”
Em 1948, apenas três anos após
o termino da Segunda Guerra Mundial, George Orwell publica o livro 1984, outra
distopia tenebrosa e assustadora, mas por um ângulo completamente diferente do
de Huxley. Por essa obra Orwell tece duras criticas aos regimes totalitários
comunistas, especialmente ao stalinismo da URSS. Em 1984 o mundo está dividido
entre três países em uma guerra sem fim e as pessoas são manipuladas pela "novilíngua”,
isto é, pela linguagem politicamente correta que tem como finalidade evitar a
liberdade expressão e consequentemente impedir o surgimento de ideias
indesejadas. Nessa obra, as ditaduras totalitárias buscam censurar as vozes
divergentes pela destruição dos adversários, pelo domínio do conhecimento e
pela disseminação de um ponto de vista único e monopolizado da verdade.
O critico Neil Postman, em um
livreto de 1985 intitulado “Nos Divertindo Até Morrer”, faz uma belíssima
diferenciação entre a distopia de Huxley e de Orwell. Segundo ele “o que Orwell
receava era aqueles que proíbem livros; Huxley receava que se chegasse a uma
situação em que não era necessário proibir livros, porque ninguém queria ler.
Orwell temia que nos privassem da informação; Huxley temia que a informação
fosse tão abundante que acabaríamos por nos tornar passivos e desinteressados.
Orwell imaginava que nos escondessem a verdade; Huxley que a verdade se
perdesse num mar de irrelevância. Orwell dizia que nos tornaríamos uma cultura
controlada; Huxley falava da trivialização da cultura... Em ‘1984’ as pessoas
são controladas pela dor. Em ‘Admirável mundo novo’ o controle é exercido pelo
prazer. Resumindo, Orwell receava que o medo nos destruísse, enquanto que
Huxley temia que a nossa destruição fosse feita pelo desejo.”
Arthur Schopenhauer dizia que “a
vida oscila, como um pêndulo, de um lado para o outro”. Após a queda da União
Soviética e o fim da Guerra Fria os Estados Unidos garantiu hegemonia no mundo
capitalista e parecíamos avançar indubitavelmente para a sociedade distópica de
Huxley. Nos últimos anos, com o avanço da influencia da ditadura chinesa, as
democracias ocidentais vem se fragilizando e corremos o risco de vivenciarmos a
distopia de Orwell. Muitos são os sinais que indicam essa mudança de direção. A
cada dia o “estamento burocrático” nos impõe uma linguagem politicamente correta
que inviabiliza o debate, busca incansavelmente o monopólio da verdade pela
censura das vozes discordantes nas redes sociais, usando como álibi o combate
as fake news e elabora uma jurisprudência que criminaliza qualquer oposição
como antidemocrática. Devemos ficar atentos, pois assim como o sapo da panela
fria (que vai esquentando aos poucos) não percebe a morte iminente, corremos o
risco de não enxergarmos, ou enxergarmos tarde demais, que o mundo concebido
por Orwell pode está mais próximo do que imaginamos.
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