NÃO SE CONSEGUE ENCONTRAR UM ARGUMENTO SÓLIDO, BALIZADO,
LÓGICO E TÉCNICO QUE POSSA APOIAR A TESE DE ASSASSINATO
Desde o século XVIII, cerca de 90
líderes políticos foram assassinados em todo o mundo. Entre as vítimas mais
famosas estão, por exemplo, Maria Antonieta, Indira Gandhi e Abraham Lincoln.
Mas o crime de maior repercussão foi o assassinato do presidente americano John
F. Kennedy. Em Dallas, cidade onde Kennedy foi morto, existe um prédio de seis
andares com fotos, vídeos e teorias sobre as circunstâncias da morte. Após
percorrer todas as dependências, o visitante sai com mais dúvidas sobre o
verdadeiro autor dos disparos do que quando entrou no museu.
No Brasil, também há inúmeros
questionamentos sobre a morte de políticos e presidentes. Vira e mexe, são
discutidos fatos relacionados às mortes de Jango, Castello Branco, Lacerda,
Costa e Silva, Tancredo e Juscelino Kubitschek. Na maioria das vezes, as
“teorias conspiratórias” apenas criam uma versão mais gloriosa para mortes
naturais.
Na semana passada, a Comissão da
Verdade da Câmara Municipal de São Paulo divulgou documento no qual “declara o
assassinato de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, vítima de conspiração, complô
e atentado político na Rodovia Presidente Dutra, em 22 de agosto de 1976...”
Curiosamente, a conclusão dos
vereadores é literalmente contrária àquela da Comissão Externa constituída em
2001, na Câmara dos Deputados, requerida pelo ex-deputado Paulo Octávio,
casado, justamente, com a neta de JK. Após ouvir inúmeros depoimentos, viajar
ao Chile atrás de eventuais conexões com a Operação Condor e reconstituir a
última viagem de JK, a comissão foi taxativa: “Por mais que se exercite a
imaginação e a criatividade, não se consegue encontrar um argumento sólido,
balizado, lógico e técnico que possa apoiar a tese de assassinato... Os menores
detalhes não passaram despercebidos. Investigamos todas as dúvidas, todas as
suspeitas. À medida que as questões foram sendo esclarecidas e respondidas, a
conclusão foi-se impondo inexoravelmente. Ao final destes trabalhos, não restam
mais dúvidas de que a morte de Juscelino Kubitscheck foi causada por um
acidente automobilístico, sem qualquer resquício da consumação de um
assassinato encomendado.”
Assim sendo, o que teria
acontecido nas apurações de ambas as comissões para conclusões diametralmente
opostas? Na realidade, o erro dos vereadores paulistas — por ignorância ou
má-fé — foi desprezar diversos depoimentos técnicos, como os dos peritos
oficiais, do legista responsável pela exumação do cadáver do motorista de JK 20
anos depois do acidente e do relator da Comissão que investigou o tema há 12
anos.
Ao contrário, de forma
irresponsável, o relatório da Comissão de vereadores sequer menciona a
investigação anterior. Afinal, por quais motivos não chamaram para depor o
marido da neta de JK, o ex-deputado Paulo Octávio, que presidiu a Comissão e
está absolutamente convicto de que foi um acidente? Por que não convidaram a
senhora Maria de Lourdes Ribeiro, filha do motorista de JK, que, como advogada,
considera primária a tese do tiro e do assassinato? Por que não colheram
esclarecimentos do professor da UFMG e médico legista Márcio Cardoso,
responsável pela exumação do corpo do motorista, que após examinar o objeto
metálico encontrado — “com visão macroscópica e mesoscópica, por meio de lupa
estereoscópica” — provou, categoricamente, tratar-se de um cravo usado para a
fixação do forro da urna funerária? Por quais motivos não ouviram os dois
peritos convidados para assessorar a Comissão Externa da Câmara, João Bosco de
Oliveira e Ventura Raphael Martello Filho, totalmente desvinculados do processo
inicial, que, auxiliados por três outros peritos, confirmaram integralmente, 24
anos depois, a perícia original?
Limitando-se a ouvir surradas e
infundadas ilações dos mesmos denunciantes e sem qualquer laudo ou estudo que
possa comprovar o mirabolante assassinato, a comissão de vereadores perdeu o
rumo. Como filho do já falecido perito e promotor de Justiça Francisco Gil
Castello Branco, que à época do acidente era o diretor do Departamento Técnico
e Científico da Polícia do Estado do Rio de Janeiro e conduziu com extrema
competência as investigações — fato reconhecido pela própria senhora Sara
Kubitschek ao entregar-lhe uma carta de agradecimento —, presto-lhe com este
texto uma homenagem póstuma.
A Comissão Nacional da Verdade,
criada com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de
direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988, precisa resgatar a
memória nacional, mas sem assassinar a verdade histórica.
FONTE: Oglobo/GIL CASTELLO BRANCO
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