sexta-feira, 8 de abril de 2011

Reflexão Bíblica

Por Alexander Seibel

Quando Saulo tornou-se Paulo, uma voz divina anunciou: “Vou lhe mostrar como você poderá gozar muito melhor a sua vida!” Será que é o que realmente está escrito na Bíblia? Pelo contrário, lemos: “Eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome” (At 9.16). Foi o que Deus disse a Ananias acerca de Paulo. Portanto, foi quase o oposto do que muitos entendem hoje por vida cristã.

Prazer e sofrimento

      O Novo Testamento está permeado pelo tom do sofrimento, e é justamente isso que não agrada à nossa velha natureza, que adora cuidar bem de sua carne e de gozar a vida. Paulo e Barnabé, por exemplo, exortaram os discípulos “a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22).

      Paulo, o apóstolo dos gentios, lembra a Timóteo, seu discípulo mais fiel, que “todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Tm 3.12).

      Isso não soa como uma vida de prazeres e de riqueza abundante, como tanto se apregoa hoje em dia. Temos inclusive uma carta inteira no Novo Testamento que se ocupa com o tema do sofrimento: a Primeira Epístola de Pedro. Ele explica que a fé é provada e aprovada através do sofrimento (1 Pe 1.6-7). Portanto, em completa oposição à sociedade caracterizada pelo entretenimento e ao cristianismo que confunde discipulado com diversão e festa. Aos crentes da Ásia Menor, Cristo é apresentado como exemplo naquilo que sofreu, para que sigamos os Seus passos (1 Pe 2.21).
      Será que não acabamos literalmente criando um outro evangelho, um evangelho de bem-estar, que afaga o ego e o velho Adão?

Jesus e o sofrimento

      A Carta aos Hebreus menciona, inclusive, que nosso Senhor, “embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8). Se isso foi válido para o Filho de Deus, quanto mais vale para nós! O servo, como se sabe, não está acima de seu Mestre.

      Pedro diz ainda mais: “Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões dos homens, mas segundo a vontade de Deus” (1 Pe 4.1-2).

Tema recorrente

      Sofrimento e não prazer ou bênçãos materiais é o tema recorrente nas cartas dos apóstolos. Paulo chega a dizer: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele” (Fp 1.29). De forma semelhante, Pedro admoesta em sua carta: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando” (1 Pe 4.12-13).
      A fé é provada e aprovada através do sofrimento.Será que isso ainda é proclamado em nossa sociedade de consumo, que já chega a “celebrar” o discipulado e a vida cristã? Será que frases tão negativas não deveriam ser sumariamente riscadas da Bíblia? Não acabamos literalmente criando um outro evangelho, um evangelho de bem-estar, que afaga o ego e o velho Adão?

Sem rodeios

      Aos coríntios, que igualmente estavam em perigo de exercer poder e “domínio”, Paulo escreve sem rodeios: “Já estais fartos, já estais ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara reinásseis para que também nós viéssemos a reinar convosco. Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens. Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1 Co 4.8-13).

      Isso soa como prazer, sucesso, conforto e prosperidade? É quase o oposto de tudo aquilo que hoje nos é apresentado simuladamente pelos “evangelistas da prosperidade” como se fosse o Evangelho de Cristo.

Negativo e derrotista?

      Para que minhas palavras não sejam interpretadas como uma defesa do sofrimento e uma declaração de derrotismo cristão, devo mencionar que Deus deseja que “vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1 Tm 2.2). Na mesma Carta a Timóteo está escrito: “Exorta aos ricos do presente século que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1 Tm 6.17).

      O Senhor nos promete, sim, uma vida abundante (Jo 10.10), porque para os cristãos as questões primárias da culpa e do sentido da vida já estão resolvidas.

      Somos gratos por toda a paz e pelo bem-estar que a graça de Deus tem nos concedido no mundo ocidental por um tempo admiravelmente longo. Mas fazer dessa realidade um evangelho é, brandamente falando, contradizer o espírito do Novo Testamento. O Senhor nos promete, sim, uma vida abundante (Jo 10.10), porque para os cristãos as questões primárias da culpa e do sentido da vida já estão resolvidas. Em obediência a Deus, o discípulo de Jesus pode ter, sim, muita alegria, alegria plena (1 Jo 1.4). Mas essa alegria é em primeiro lugar espiritual e não está, necessariamente, refletida no nível material.

Movido pela alegria

      Quando Paulo ditou sua carta “movida pela alegria” aos filipenses exortando os crentes a “alegrar-se sempre” (Fp 4.4), ele próprio encontrava-se algemado na prisão.

Discutindo com os super-apóstolos

      Em suas discussões com pregadores “poderosos” e triunfalistas, que Paulo chama ironicamente de “sábios”, “fortes”, “nobres” (1 Co 4.10), ele se gloria de sua própria fraqueza (2 Co 12.9), especialmente porque esses falsos mestres se vangloriavam de seu grande poder e de sua própria autoridade. Eles também passavam a idéia de que apenas através deles o mundo daquela época fora alcançado com um evangelho “poderoso” e “pleno” (2 Co 10.12-16). Paulo contrapõe a esses falsos apóstolos e obreiros fraudulentos, como também os chama, a extensa lista de seus próprios sofrimentos (2 Co 11.22-23), provando que ele era um apóstolo legítimo.

      Isso ainda é pregado atualmente? Isso ainda é proclamado nos programas cristãos de televisão? Os apóstolos residiam em belas casas e lá ditavam suas cartas? A visão mais profunda dos mistérios do tempo da graça é fornecida por Paulo nas cartas aos efésios e aos colossenses, que ele escreveu quando se encontrava encarcerado. Em seu discurso de despedida em Mileto ele disse: “o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (At 20.23). Isso não soa como a expectativa por eventos especialmente prazerosos.

Vida de prazeres?

      Humildade, lágrimas, provações, ciladas, cadeias e tribulações, de fato, uma vida “de prazeres”! Mesmo quando Paulo suplicou por uma vida física mais ou menos normal, sem o espinho na carne, seu pedido não foi atendido. Será que ele não deveria ter enfrentado essa limitação física com visualização ou pensamento positivo? Esse homem de Deus podia dizer de si mesmo: “...pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2 Co 6.10). Devemos temer, com justiça, que muitos dos pregadores de sucesso de nossos dias literalmente invertem a ordem das coisas: “ricos, mas empobrecendo a muitos”.

      Todo esse evangelho da prosperidade e do bem-estar é um cumprimento de 2 Timóteo 4.3, onde está escrito que os homens dos últimos dias cortejarão mestres por cujas palavras sentem coceira nos ouvidos, mestres que os agradem. Muitos gostariam de ouvir que Deus quer nos fazer grandes, ricos, saudáveis e poderosos. Essa era a mensagem dos amigos de Jó, que não conseguiam entender que Jó enfrentava tanto sofrimento por se encontrar dentro da vontade de Deus.

      Paulo explicou: que os “crentes” dos últimos dias não apenas serão “amantes de si mesmos” (2 Tm 3.2, Ed. Revista e Corrigida) mas “mais amigos dos prazeres (tradução literal da palavra grega “philedonos”) que amigos de Deus” (2 Tm 3.4).

Uma geração hedonista

      Esta é a mensagem para uma geração hedonista, como Paulo explicou: que os “crentes” dos últimos dias não apenas serão “amantes de si mesmos” (2 Tm 3.2, Ed. Revista e Corrigida) mas “mais amigos dos prazeres (tradução literal da palavra grega “philedonos”) que amigos de Deus” (2 Tm 3.4).

      Será que Jesus também ofereceu uma falsa fé? Ele disse à igreja de Esmirna: “Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o Diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2.10).

O oposto do triunfalismo

      Isso é totalmente oposto ao atual triunfalismo do evangelho da prosperidade. É monstruoso o que é tolerado e propagado na cristandade contemporânea. Esta geração ocidental literalmente criou um evangelho resumido e derivado de seu hedonismo, de sua amoldagem ao espírito da época, de sua loucura por saúde, bem-estar e entretenimento, de seu desejo por prazeres carnais e de sua auto-estima.

Pobre, miserável, cego e nu

      Talvez a melhor caracterização da situação espiritual desses pregadores e adeptos do evangelho da prosperidade e do bem-estar seja a declaração de Jesus Cristo a uma igreja próspera e abastada, mal acostumada ao sucesso, a igreja de Laodicéia: “pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17).

Fonte: Chamada.com

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Análise Crítica / Teologia

A Sedução de “O Segredo”
Por Dave Hunt

      A última armadilha do ocultismo para capturar a imaginação do Ocidente é chamada O Segredo. O livro com este nome é um bestseller no topo da lista do New York Times, tendo vendido rapidamente seis milhões de cópias. O DVD do mesmo título foi adquirido por mais de dois milhões de pessoas. Ambos contêm muitos erros, interpretações errôneas, falsas premissas e falsas promessas. Mas, quem se dá conta? Você deveria importar-se. Com as informações seguintes, você poderia resgatar alguém do inferno.

      As numerosas interpretações errôneas já começam no próprio título do livro. O Segredo nada tem de segredo, mas, sim, de tolice, hinduísmo, xamanismo e Nova Era reciclados. Uma das mais gigantescas mentiras é a sua afirmação: “Você cria a sua própria realidade com a sua mente”. Foi essa a falsa promessa da serpente feita a Eva, a promessa da divindade (Gênesis 3). Abraçar essa ilusão custou a Eva e aos seus descendentes o paraíso do Éden e teria fechado o céu à humanidade inteira se Cristo não tivesse morrido pelos pecados do mundo. Em 6.000 anos, desde o Éden, a promessa da serpente ainda não foi cumprida na vida de uma pessoa sequer.

      Informações errôneas e falsas afirmações seguem-se umas às outras, numa louca parada de absurdos. Borrifada no livro e no DVD está a afirmação de que o Segredo é cientificamente comprovado como sendo verdadeiro. Por exemplo: “Foi cientificamente comprovado que um pensamento afirmativo é centenas de vezes mais poderoso do que um pensamento negativo”. Quando, onde e como?

      Nenhum teste científico até hoje mediu os pensamentos positivos e negativos, nem poderia haver esse tipo de teste, porque os pensamentos não são físicos e o seu “poder” não pode ser medido. Os pensamentos existem fora da ciência física. Também não existe essa coisa de “ciência mental” ou “ciência da mente”. Esse fato é uma das muitas razões por que a psicologia jamais poderia ser uma ciência, a despeito dela ter afirmado isso durante décadas.
      “Você cria a sua própria realidade com a sua mente”. Foi essa a falsa promessa da serpente feita a Eva, a promessa da divindade (Gênesis 3).

      A isca na armadilha de O Segredo é continuamente repetida: “O Segredo lhe dá tudo que você deseja: felicidade, saúde e riqueza... você pode ter, fazer ou ser tudo que desejar... Podemos ter qualquer coisa que desejamos”. O senso comum responde: “Obrigado, mas não quero!” Contudo, milhões de pessoas que estão sendo apresentadas a O Segredo ficam excitadas e ansiosas para fazer com que isso funcione para elas.

      As mentiras fundamentais são basicamente: não existe um Deus pessoal que criou o Universo e faz leis que os homens devem obedecer. O Universo sempre esteve aqui e nós o criamos com as nossas mentes, através de inúmeras leis ocultas, as quais existem para realizar nossos desejos egoístas. Uma das mais indutivas é “a lei da atração”. Qualquer pensamento (saúde, riqueza, desastre, lucro, perda, dor, alegria, etc.) que você mantém em sua mente pode ser atraído como uma realidade em sua vida. Somos todos deuses e criamos nossos destinos individuais com os nossos pensamentos.

      A amoralidade do Segredo deveria ser evidente a alguém que pára para pensar. Hitler já não seria mais responsável pelo Holocausto do que suas vítimas, as quais o criaram coletivamente em suas mentes. O mesmo se deu com o Titanic, com a queda de qualquer avião e com as vítimas de qualquer assassinato.

      O livro e o DVD se baseiam em nada mais que as declarações de uma porção de supostos peritos na área da motivação, do sucesso e do pensamento positivo. Quem são eles? São “os mestres não alinhados, os trans-religiosos progressistas... os luminares espirituais... os mestres da metafísica espiritual... o dominador do Feng Shui, os líderes bem-sucedidos nos negócios... os fundadores do movimento do Novo Pensamento... um mensageiro espiritual dos tempos modernos, e assim por diante”. Certamente eles não pertencem à mesma classe de Jesus Cristo, o qual comprovou Sua Divindade com a própria vida sem pecado e com os Seus milagres, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou dos mortos. Os “peritos” citados e apresentados em O Segredo não fazem parte de um grupo em cujas mãos alguém pudesse entregar a sua vida e muito menos o seu destino eterno.

      Segundo o livro, qualquer pensamento (saúde, riqueza, desastre, lucro, perda, dor, alegria, etc.) que você mantém em sua mente poderia ser atraído como uma realidade em sua vida. A amoralidade do Segredo deveria ser evidente a alguém que pára para pensar. Hitler já não seria mais responsável pelo Holocausto do que suas vítimas, as quais o criaram coletivamente em suas mentes. O mesmo se deu com o Titanic, com a queda de qualquer avião e com as vítimas de qualquer assassinato.

No livro e no DVD, como num disco defeituoso, repete-se constantemente a mentira atraente, apesar de evidente: “Não existe coisa alguma que você não possa fazer com esse conhecimento... Se você mentalizar isso, vai tê-lo à mão... Você cria sua vida com os seus pensamentos... Seus pensamentos são sementes e a colheita que você fará vai depender das sementes que você plantar... Sua vida está em suas mãos... Você vai realizar o que você pensar... Você vai atrair tudo que exigir. Se for de dinheiro que precisa, você irá atraí-lo... Exatamente como o gênio de Aladim, a lei da atração realiza cada comando nosso... No momento em que você começar a ‘pensar adequadamente’... Esse poder dentro de você, o qual é maior do que o mundo... vai tomar conta de sua vida... alimentar, vestir, guiar, proteger, dirigir e sustentar você em sua própria existência... Se você o permitir. É isso o que sei, com certeza”.

      Ora, o que eu sei com certeza é: enquanto os indivíduos históricos nomeados e citados no livro e no DVD conseguiram algumas posses materiais e sucesso, todos eles fracassaram no que é muito mais importante, a saúde. Sim, a maioria, porém não todos, manteve um nível satisfatório de saúde durante suas breves existências, porém a saúde de cada um deles finalmente fracassou. Uma das marcas de fracasso que todos eles compartilharam foi que todos morreram. No final, o Segredo não pôde mantê-los vivos, embora eles tivessem tentado cada técnica por ele oferecida. E esses proponentes do Segredo que ainda estão vivos certamente vão sofrer a mesma sorte.

      Segundo o que todos esses mestres do Segredo declaram com grande confiança, eles jamais deveriam morrer. Se o Segredo fosse verdade e eles aplicassem devidamente o ensino: “O Segredo pode lhe dar tudo que você desejar”, eles ainda deveriam estar vivos. De fato, nenhum desses mestres do Segredo excedeu sequer a expectativa normal de vida – o que certamente teriam conseguido, caso o Segredo realmente funcionasse. O fato óbvio é que o Segredo é um engodo que oferece uma falsa esperança, o qual continua a enganar a humanidade – aliás, uma esperança inescrupulosamente amoral.

Vamos avaliar rapidamente alguns desses “mestres do Segredo”:

Ralph Waldo Emerson – é um dos mais altamente louvados. Ele declarou: “O Segredo é a resposta a tudo que tem existido e a tudo que ainda existirá”. Mas Emerson viveu num estado precário de saúde e de necessidades financeiras em seus últimos anos de vida. Morreu aos 79 anos de idade. Certamente ele gostaria de ter vivido mais tempo, com uma vida mais saudável e mais feliz. Por que, então, ele não conseguiu, com os seus pensamentos, e com a “lei da atração”, tudo que realmente desejava? Pela mesma razão porque ninguém jamais o conseguiu: o Segredo é uma mentira de Satanás, “o pai da mentira” (João 8.44). O Diabo mantém os que nele acreditam afastados da fé no Deus verdadeiro e na salvação que Ele outorgou aos pecadores, através do sacrifício de Cristo na cruz, pelos pecados de toda a humanidade.

Prentice Mulford – outro dos supostos mestres do Segredo, fundador do movimento do Novo Pensamento, o qual se embasa na mesma ilusão. Ele disse que existe uma mente material e uma mente espiritual, uma inferior e outra superior, e que a última capta os pensamentos do “Poder Supremo”. Só que esse tal “Poder” falhou na sua vida. Ele lhe deu o pensamento de que Mulford deveria tornar-se membro da Assembléia Estadual da Califórnia. Mulford até se candidatou, mas perdeu a eleição. Por que os seus pensamentos não realizaram o seu desejo? O Segredo e o Novo Pensamento, sua cópia exata, não funcionaram com ele, um dos “peritos” apresentados como exemplo no livro e no DVD. Finalmente, o Segredo fracassou totalmente com relação a Mulford, que faleceu aos 57 anos de idade – certamente uma vida muito mais curta do que ele desejava ter vivido.

Wallace Wattles – um diligente estudioso do Segredo durante a maior parte de sua breve existência, outro fundador do movimento do Novo Pensamento. Seu livro mais famoso foi “A Ciência de Ficar Rico”, contudo, ele viveu a maior parte de sua vida na pobreza. Essa sua maior realização foi publicada em 1910. Wattle faleceu em 1911, aos 51 anos de idade. Será que ele não desejava viver mais tempo para ver o sucesso do seu livro e para poder escrever mais sobre as maravilhas benéficas do Segredo, embora este tenha falhado com ele? Mesmo assim, Wattles não pôde acrescentar um minuto sequer à sua vida. Para ele, um dos principais proponentes, o Segredo não funcionou(...)

      A ilusão de que a realidade pode ser criada pela mente tem continuado a oferecer falsa esperança à humanidade, durante milhares de anos. Esse é o ensino padrão da Ciência da Mente, da Igreja da Ciência Religiosa, da Escola Unitariana de Cristianismo, do Novo Pensamento e das seitas da Ciência da Mente.
E o amor altruísta, a ternura, a misericórdia, a bondade, a caridade, a compaixão e a generosidade compartilhados com os outros? Tais pensamentos poderiam interferir com o objetivo singular da mente para atrair riqueza para si. O Segredo, acreditado e aplicado, só pode ajudar a aumentar o egoísmo daqueles que o aplicam, levando-os a conflitos entre eles.

      Digamos que Fulano acredita que o Segredo vai lhe dar qualquer coisa desejada. Querendo ser o presidente da Empresa X, onde trabalha, e usando “a lei da atração” para conseguir o que deseja, Fulano mantém na mente o pensamento: “Sou o presidente da Empresa X”. Será que os pensamentos dele poderão expulsar o presidente em exercício e colocá-lo no lugar deste? Suponhamos que haja outras vinte pessoas ambiciosas e avarentas, dos trabalhadores até os porteiros, das secretárias e dos contadores até o vice-presidente, todos desejando ser o presidente da Empresa X, cada um deles confiando na ‘lei da atração’ de o Segredo, a fim de conseguir realizar o seu objetivo. Digamos que cada um deles visualize estar por trás da grande mesa do presidente em seu requintado escritório. Será que o Segredo vai transformar, simultaneamente, cada um deles em presidente? Quem vai ganhar essa batalha de mentes nessa competição que o antigo, amoral e suposto Segredo tem produzido?(...)

      Os defensores do Segredo e do Novo Pensamento não acreditam no Deus pessoal e vivo da Bíblia, que exige do homem amor e submissão à Sua vontade. O deus deles é impessoal, um tipo de “a Força” de Guerra nas Estrelas ou Mente Universal, que não se preocupa com os seus e existe exclusivamente para lhes dar o que desejarem. Joe Vitale é outro dos peritos praticantes do Segredo, citado no livro e no DVD. No programa “Larry King Live” alguém telefonou, indagando: “Estou muito curioso para saber onde Deus entra em O Segredo”. Vitale respondeu: “Deus é todos nós. Deus é o segredo de tudo sobre ele. Essa é uma lei de Deus”. Evidentemente, essa é a mesma tolice da antiga religião do panteísmo: você é Deus, eu sou Deus, a árvore é Deus, tudo é Deus. Então, Deus é tanto o bem como o mal, é a morte bem como a vida, sem moral alguma, etc. Se tudo é “Deus”, então “Deus” nada significa. O panteísmo realmente é ateísmo.

      Digamos que Fulano acredita que o Segredo vai lhe dar qualquer coisa desejada. Querendo ser o presidente da Empresa X, onde trabalha, e usando “a lei da atração” para conseguir o que deseja, Fulano mantém na mente o pensamento: “Sou o presidente da Empresa X”. Será que os pensamentos dele poderão expulsar o presidente em exercício e colocá-lo no lugar deste?

      Outra antiga técnica ocultista usada pelos xamãs durante milhares de anos é a visualização: a crença de que um quadro mental firmemente mantido no pensamento finalmente se manifestará no universo físico. É claro que isso também é um engodo. Ninguém tem sido capaz de demonstrar essa capacidade. Se todos nós tivéssemos o que o Segredo promete, nossa existência seria aterrorizante, com bilhões de Dart Vaders e de Obe Wan Kenobies destruindo-se mutuamente através do poder da mente.(...)

      Os que acreditam nessas mentiras que O Segredo oferece têm deliberadamente abandonado o Deus verdadeiro, que se revelou em cada consciência e no Universo que Ele criou. Eles entregaram-se à ilusão demoníaca, que os conduzirá à eterna separação de Deus, que os ama, e de Cristo, que morreu para redimi-los. Vamos resgatar tantos quantos pudermos!

Fonte: Chamada.com.br

sábado, 2 de abril de 2011

Reflexão

Teodicéia


Por Ed René Kivitz

      Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: “Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom”.

      Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.

      Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um “problema insolúvel”, devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera o binômio “onipotência/bondade” como ponto de partida para pensar o caráter de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Será que as palavras “onipotência” e “bondade” são as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas neste quebra-cabeça?

      Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso: Deus foi crucificado num “jogo de empurra” entre judeus e romanos, isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristão foi morto não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.

      Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua onipotência[i], isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e por amor[ii], deixou-se matar por eles[iii]. (Eu disse que “Deus abriu mão do exercício de sua onipotência”, bem diferente de “Deus abriu mão de sua onipotência”).

      O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor, assim como o apóstolo João, que afirmou “Deus é amor”[iv]. Jesus de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus encarnado na forma de Onipotência. Os cristão não dizemos “Deus é poder”, dizemos “Deus é amor”.

      Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais. Jung Mo Sung adverte que “a contrapartida do poder é a obediência, enquanto a contrapartida do amor é a liberdade”. Também assim pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus na cruz)[v]. Não é o poder de Deus que cativa o coração das gentes, mas sim o amor de Deus.

      Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao decidir criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor possibilita a liberdade para que o outro possa inclusive rejeitar o amor que se lhe quer dar.

      André Comte-Sponville é um ateu confesso (sei que vou levar pedradas) que discorre a respeito do amor divino como poucos que já li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: “a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras” [vi].

      Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor, também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixão[vii]. E morre. O Deus Amor encarnado em Jesus de Nazaré é assim, entre matar e morrer, prefere morrer.

      Mas você poderia perguntar por que razão Deus não acaba com o mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não existe, o que existe é o malvado. O mal não é uma entidade ao lado de Deus. O mal é o resultado de uma ação humana em afastar-se do Deus, sumo bem. O monoteísmo cristão afirma que há um só Deus, e que o mal é a privação da presença de Deus. Os cristãos não somos dualistas que postulamos a existência do bem e do mal. O mal é apenas a ausência do bem. Por isso, o mal não existe, o que existe é o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e único bem.

      Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que “para acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado”. Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos[viii], e mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de alegria a todos os homens[ix].

      A equação amor e liberdade na relação entre Deus e o homem resulta um escândalo: um Deus que sofre por amor. E quando Deus sofre, o homem sofre. Ou, na verdade, Deus sofre porque o homem sofre, isto é, Deus sofre porque ama o homem que sofre.
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[i] Carta aos Filipenses 2.6-8
[ii] Evangelho de João 3.16
[iii] Atos dos Apóstolos 2.23
[iv] Primeira Carta de João 4.7
[v] 2Coríntios 5.14,15
[vi] Comte-Sponville, André, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1995, Capítulo 18: Amor.
[vii] Evangelho de São Mateus 9.36; 14.14
[viii] Evangelho de São Mateus 5.44,45
[ix] Atos dos Apóstolos 14.17

Fonte: Ed René Kivitz